Roberto Cabrini (editor-chefe do Conexão Repórter/ SBT)


Foto: Leandro Melito

Por Cristiane Paião (3º ano/ Cásper Líbero), Thales Willian (3º ano / Braz Cubas) e Tamiris Gomes (2º Ano/Cruzeiro do Sul)

Ao longo de três décadas de carreira, Roberto Cabrini foi correspondente internacional, participou da cobertura de seis guerras (Afeganistão, Iraque, Palestina, Camboja, Caxemira e Haiti), cinco Olimpíadas, cinco Copas do Mundo e realizou reportagens em mais de 50 países.

Tudo isso começou aos 16 anos de idade, quando iniciou a carreira de jornalista como repórter de uma pequena rádio na cidade de Piracicaba, interior de São Paulo e, logo em seguida, aos 17 anos, foi contratado pela TV Globo como o repórter mais jovem do telejornalismo de rede do país, inicialmente atuando como repórter esportivo. Atualmente, Cabrini comanda o programa Conexão Repórter, do SBT.

Em entrevista, o jornalista falou sobre os desafios do jornalismo investigativo e sobre as responsabilidades que o profissional precisa ter com a sociedade.

Como foi participar do 7º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, promovido pela Abraji?

Eu achei muito importante essa troca de experiências. Fiquei muito tocado com o interesse dos jovens jornalistas no trabalho que tenho desenvolvido ao longo da minha carreira, o nível das perguntas muito bom. Eu considero muito importante para o desenvolvimento profissional esse tipo de contato, porque permite se atualizar, se modernizar. E eu acho que a Abraji cumpre um papel muito importante no sentido de possibilitar que profissionais que exercem a mesma profissão, que exercem a mesma área dentro do jornalismo e que passam por situações de risco, por situações de ameaça, de intimidações, que eles possam trocar informações, que possa haver um intercâmbio entre profissionais, e até permitir a criação de toda uma estrutura possibilitando o aperfeiçoamento da segurança dos profissionais que exercem jornalismo investigativo.

Em relação aos problemas encontrados durante a investigação, qual matéria marcou mais?

Olha, eu posso dizer que de cada reportagem bem sucedida, que ganha prêmios e gera grande repercussão, tem dez outras tentativas que não deram em nada. Você só gastou tempo, a sua emoção, muitas vezes o seu próprio dinheiro, e não deu em nada. Então o fracasso é muito mais comum que o sucesso no jornalismo investigativo. Às vezes você tem certeza de um determinado fato, mas não pode veicular porque a matéria não está devidamente embasada, e nada justifica reportagem que não esteja totalmente embasada ser publicada. O jornalismo investigativo requer ousadia, mas também requer responsabilidade. Eu acho que a gente se depara diariamente com esse dilema.

Como você lida com a ligação que fazem da reportagem com a sua imagem?

Eu acredito firmemente que a noticia é mais importante que o repórter. Eu procuro como jornalista, como repórter, ser uma pessoa acessível a todos, ouvir as pessoas, principalmente o cidadão comum. Eu diria que 90% das reportagens começaram com pessoas anônimas, que não são conhecidas. O repórter precisa estar sempre preparado para a grande matéria, que pode começar daqui a cinco minutos, no contato com uma pessoa que poucos valorizam. Eu acho que faz parte do jornalista um eterno exercício de humildade.

Ao longo desses trinta e seis anos de carreira, vinte só de jornalismo investigativo, você notou alguma mudança em relação a segurança e ao debate sobre o exercício da profissão?

Há um amadurecimento geral do jornalismo no Brasil em termos de encontrar os limites da sua atuação, de encontrar a melhor forma de se proteger, de avançar, e de agir sempre dentro de uma legalidade; de investigar, mas sempre dentro de uma legalidade. Isso requer um constante exercício de autocrítica e de eterno aperfeiçoamento. Eu vejo que muitos jornalistas e muitos veículos estão se aperfeiçoando nesta área, que o jornalismo investigativo exige essa ousadia, mas exige, também, responsabilidade. As duas coisas têm que caminhar em conjunto.

Algumas pesquisas vêm apontando que o número de mortes de jornalistas que atuam na área da investigação tem aumentado. O que mudou, na sua opinião, nos últimos anos?

As mortes têm sido proporcionais ao conteúdo cada vez melhor do jornalismo. Quando o jornalismo era servil, era superficial, existiam menos mortes, exatamente porque o jornalismo não incomodava quem tantas vezes escraviza a sociedade brasileira. Na medida em que o jornalismo investigativo avançou, as mortes também aumentaram, mas eu acho que faz parte de um contexto. Eu vejo as pessoas cada vez mais preocupadas com segurança, é uma questão relativamente recente, mas que precisa e deve avançar.

Um dos aspectos que mudaram no Brasil foi principalmente a valorização do jornalista investigativo nos veículos de comunicação. Nós somos um país de poucos donos, e os veículos de comunicação não fogem à regra. Eles pertencem a poucas pessoas que têm interesses bastante definidos. Mas, mercadologicamente, até por exigência da sociedade, o jornalismo investigativo passou a ser uma necessidade de sobrevivência: ou você faz, ou você não evolui. Isso não significa liberdade total. Não significa que a gente cubra tudo aquilo que deveria cobrir, até pela permissão que os jornalistas concedem aos seus profissionais, mas eu tenho visto muito avanço. Tenho visto matérias cada vez melhores e isso evidentemente envolve retaliações, em forma de intimidação, de ameaças, de mortes, isso acontece. Acho que, na medida em que a sociedade for avançando, vão sendo criadas, naturalmente, formas de proteção ao jornalista.

Como é a relação de um repórter investigativo com a empresa na qual ele está trabalhando?

Nenhum jornalista vai ser obrigado pelo veículo de comunicação a se arriscar, isso é algo que você responde à sua própria consciência. Você vai medir o quanto você está comprometido com a sua profissão pela sua disposição, muitas vezes, de se arriscar. Essa sabedoria de saber como agir, de saber não correr riscos desnecessários só vem com o tempo, e vem também com o processo de amadurecimento da sociedade. Está havendo amadurecimento, mas até que você atinja o nível ideal, muita dor vem pela frente.

Você já sentiu medo, já achou que não fosse conseguir chegar até o fim de uma reportagem?

Sim, isso já aconteu muitas vezes. Só que eu descobri também que eu consigo controlar o meu medo e eu não entro em pânico. Em situações de guerra você sente medo, mas à medida em que o tempo vai passando você aprende a desenvolver o autocontrole. Quando você faz matérias investigativas que denunciam pessoas, instituições, autoridades – eu costumo dizer que denunciados não mandam flores, eles ameaçam, intimidam, te processam, eles podem te agredir, te matar – você tem que ter consciência disso. Jornalismo investigativo é igual a ameaças, é igual a processos judiciais, faz parte do contexto. Mas eu descobri também que ninguém ameaça se você não estiver diante de uma matéria importante. E à medida em que você demonstre para as pessoas que você está denunciando, fazendo essa reportagem pelo valor que ela tem em termos de embasamento, de necessidade da sociedade, e que você não está cobrindo aquilo por vingança ou por uma retaliação pessoal, a suas chances de sobreviver são melhores, as pessoas te respeitam mais. É fundamental que o repórter demonstre convicção, segurança, e jamais prepotência, diante de fontes, sem jamais se permitir ficar refém das fontes, e diante de denunciados.

Para finalizar, qual a dica que você daria para os jovens jornalistas que pretendem se dedicar ao jornalismo investigativo?

Saber que essa profissão tem muito mais pressões que glamour, mas saber também que ele está diante de uma atividade que pode potencialmente aperfeiçoar a sociedade, e sempre pensar também no que a sociedade pode ganhar com a reportagem que você está fazendo. Se não houver resposta para isso, você não deve fazer a reportagem. A reportagem só se justifica quando houver um avanço da sociedade como um todo. Se for apenas visando atingir audiência ou mais jornais vendidos é uma razão que, mais cedo ou mais tarde, vai fazer com que você encontre sérios problemas profissionais e existenciais.

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Sobre o Congresso
O 7º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo é uma realização da Abraji e da Universidade Anhembi Morumbi, com o patrocínio/apoio da TV Globo, Correio Braziliense, Embraer, Estadão, Folha, Gol, Grupo Bandeirantes, Shopping Iguatemi, McDonalds®, O Globo, Oi, Tam e UOL, e cooperação de Associação Nacional de Jornais, Consulado Geral dos Estados Unidos em São Paulo, FAAP, Fórum de Direito de Acesso a Informações Públicas, Jornalistas & Cia., Knight Center, Lincoln Institute of Land Policy, Oboré, Open Society Foundations, Panda Books, Propeg, Textual e UNESCO.

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